O “Menino do cesto” tem pedido por várias vezes para falar das Tias de Melres que marcaram realmente a sua vida como a de tantos outros que com elas tiveram a alegria de partilhar do seu dia a dia em ambiente cem por cento familiar.
Para aqueles que não as conheceram é necessário fazer um pouco de história.
As minhas tias (Alice, Virgínia e Lídia), eram conhecidas pelas “Meninas Ferreirinhas”, nome que surgiu pelo facto de seu pai ter nascido no lugar de Ferreirinha, freguesia da Foz do Sousa - Gondomar, e de lá ter vindo para Melres.
A sua casa ainda lá está, tal como era no tempo do meu avô. É bom ir às raízes e descobrir o que nelas se encontra, como em árvore de grande porte! É bom ir às raízes e penetrar na seiva que dá vida a esta árvore frondosa donde brotamos, como rebentos, em primaveras diversas. É salutar este mergulho, como quem vai ao fundo do mar em busca de tesouros escondidos.
Habitavam as três irmãs a Casa de Penacidra, no lugar da Boavista em Melres, onde nasceram e permaneceram, porque, sendo três, nenhuma delas se casou. Não porque fossem diferentes das outras raparigas do seu tempo, mas “há razões que a razão não conhece”…
A Tia Gina (Virgínia) sempre se dedicou ao ensino e, um dia, apaixonada pelo carisma do Pai Américo, deixa tudo e vai fazer-se mãe de tantos que ajudou a crescer. Ali era verdadeira mãe: se estavam doentes, ela velava a sua cabeceira; aos pequeninos acordava de noite para que não molhassem a cama; e aos menos estudiosos lá andava com os seus livros às voltas. Vinha muitas vezes a Melres e trazia com ela um sorriso que jamais esquecerei que escondia o segredo da verdadeira felicidade. Em Melres, ensinou muita gente, formou Grupos Corais, ajudou os pobres e por seu intermédio se construíram casas do Património dos Pobres nesta freguesia.
A Tia Alice muito cedo veio viver para o Porto, para casa dos padrinhos, Senhor Brito e D. Rosinha, na Travessa do Campo 24 de Agosto, n.º
A Tia Lídia foi sempre a mais ligada à casa mãe, a Casa de Penacidra, e mais virada para a administração das propriedades que pertenciam às três. A sua amizade pela irmã Alice foi sempre muito grande o que foi bem demonstrado pela maneira como a tratou durante os longos anos da sua doença, como se de um “bebé” se tratasse. Sempre dizia a Tia Lídia: “Ela sacrificou-se a tratar da madrinha, também há-de ter quem trate dela”. E assim aconteceu! E com que desvelo e dedicação o fez! Foi para nós um exemplo do que é a verdadeira amizade: “Aquele que ama é o que dá a vida pelos amigos”.
A Casa de Penacidra foi sempre um local de acolhimento. Ainda hoje, já lá vão tantos anos, muitas pessoas nos vêem dizer que se recordam de ter aprendido a costurar e a bordar em casa das “Ferreirinhas” e que lá também se iniciaram na arte da música. E, sempre que havia os célebres leilões em favor da Igreja de Melres ou qualquer outro evento mais significativo, as “Ferreirinhas” aí estavam presentes para animar, colaborar, liderar. É com orgulho que os seus sobrinhos dizem: “eu sou Ferreirinha”!
Naquela casa rezava-se, amava-se, brincava-se, mas o respeito pelos outros era ponto de honra.
Gostava muito de viver nesta casa porque a alegria era uma constante e as histórias de bruxas e de aparição de extra-terrestres não tinham lá guarida. Isto marcou a minha vida para sempre.
E agora que falei um pouco das minhas queridas três tias, vou falar-vos da ligação que havia entre Melres e Lagares.
A avó Idalina, antes de casar, morava numa casa que o Tio Fernando já referiu numa das suas crónicas. Ao lado morava a D. Rosa, professora em Melres, casada com o Senhor Cardoso, também ele lá professor, com dois filhos, o Senhor Cardoso (filho) e a D. Fernanda Cardoso, que vieram a ser igualmente professores, sendo esta última a madrinha do Tio Fernando, ainda viva.
O quintal da casa da D. Rosa fazia extrema com os campos da Casa de Penacidra, daí o ter-se criado uma passagem entre as duas propriedades pois a família Cardoso tinha grande amizade com as “Ferreirinhas”.
Assim se formou uma grande amizade, especialmente entre as jovens Idalina, Fernanda Cardoso, Lídia, Alice e Virgínia que várias fotografias demonstram a alegria dos seus folguedos.
Há até uma foto da Mamã (D. Idalina - Avó Idalina) coma a Tia Alice vestidas de noivos. Foi uma amizade muito bem cimentada, uma amizade da idade dos sonhos e do alvorecer dos amores que confidenciavam entre si. A Mamã casou e foi viver para Lagares, mas a amizade permaneceu como corrente forte que o tempo não desgasta. Há correspondência desde os primeiros tempos de separação que provam isso mesmo.
E, agora, começa a perceber-se o porquê das vindas a Melres pela serra com os filhos pequenos e a nossa estadia conjunta na Foz, na Travessa da Senhora da Luz, com as tias Ferreirinhas e a Mamã.
Nessa altura iam para a “praia” a Vóvó (bisavó Maria José), a Mamã, a Tia Lídia, Tia a Alice, o Nando (Tio Fernando), a Zinha (Tia Zinha), o Zeca (Tio Zé), a Guidita (eu própria) e o Zé Henrique (meu irmão -Tio Rique), os mais velhos.
Destes tempos, muitas histórias há que quem quiser poderá contar, a seguir. Pouco me lembro desse tempo a não ser do meu irmão a subir a íngreme calçada da Travessa da Senhora da Luz e vir ter com ele uma miúda que lhe deu um safanão. Quem conhece a calma e a bondade dele, certamente achará graça à sua resposta: “Quando fores à minha terra eu digo-te como é!” Claro que não me posso esquecer dos banhos de mar forçados, quando o banheiro nos tomava nos braços e esperava que a onda subisse para nos “enfiar” dentro dela…
E também lembro com muita nitidez a figura do meu avô, pai das minhas tias e do meu pai, que passava algum tempo connosco na Foz. Dele algo me ficou muito marcado quando me dizia que o “eléctrico” parava quando ele mandasse.
Vim a descobrir muito mais tarde que o “eléctrico” realmente parava na paragem…
Esta cena deu origem a um poema que escrevi e ficou no Cancioneiro Infanto-Juvenil da Língua Portuguesa editado pelo Instituto Piaget.
O tempo foi passando “como um ai que mal soa / como sombra que passa / como nuvem que voa” e os meninos cresceram e tiveram que ir estudar para o Porto.
Foi nessa altura que a casa da Tia Alice na Travessa do Campo 24 de Agosto, 77 se transformou num lar de estudantes por onde passaram muitos de nós “aturados” pela Tia Alice, Tia Lídia e uma empregada. Aqui as minhas tias eram mães a tempo inteiro dos que por lá foram passando e que elas a todos queriam do fundo do coração. Fizeram, sucessivamente, parte desta “quase república” o Tio Fernando, a Tia Zinha, o Tio Zé, o Henrique Maria, o Zé Henrique, eu própria, o Tio Mário, a Tininha, a Tia Natália (Tátá) e, depois, outros mais novos. Apesar de uns serem sobrinhos e outros serem filhos de uma amiga (a Lininha - Avó Idalina) em nada eram estes diferenciados. Falavam deles com grande orgulho tendo as suas fotografias em lugar de honra em cima da cómoda do seu quarto. Posso testemunhar o quanto elas a todos amavam.
Agora é a vossa vez de contar as muitas histórias deste tempo passado no “
Sem dúvida que esta convivência no “
Mesmo antes desta convivência no Campo 24 de Agosto, já, na altura das férias, o Tio Fernando, o Tio Zé, o Tio Mário e até o Padre José Barbosa, passavam alguns dias em Penacidra a convite das minhas tias. Eram tempos de sã camaradagem em que participavam também a gente mais jovem da família Lopes (Maria Helena, Zézinha e Arturinho) que viviam no Porto, mas que todos os anos vinham passar uns tempos de férias a Penacidra, pois uma grande amizade ligava esta família às Ferreirinhas.
Estes são apenas alguns exemplos do espírito alegre, jovem e de grande doação das Ferreirinhas…
Tia Guida
Ainda com imagens frescas na minha memória sobre a última Travessia da Serra realizada no dia 23 de Setembro de 2006, decidi contar para os Primos OnLine a história desta “façanha” anual.
Mas, afinal, o que é a “Travessia da Serra” ? Todos os anos logo a seguir às férias um grupo de amigos fazem uma caminhada entre o centro da freguesia de Lagares - Penafiel e o centro da freguesia de Melres - Gondomar através da serra que separa as duas freguesias, popularmente chamada Serra das Cabrias e que pertence à Serra (ou Alto) da Pena Branca, segundo a Carta Militar de Portugal.
Trata-se de uma distância de cerca de 12 km feita por caminhos que, inicialmente, eram apenas trilhas de passagem a pé, muito íngremes e irregulares, usadas pelos mineiros que das freguesias de Lagares e Capela trabalhavam nas minas de carvão do Pejão. freguesia de Pedorido - Castelo de Paiva . A dificuldade deste percurso e as paisagens que nele se podem admirar torna-o muito motivador para todos os que gostam de conviver com a natureza, num ambiente de boa amizade e camaradagem. Porém outros motivos concorrem para que esta “Travessia da Serra” seja gostosamente esperada por um cada vez maior grupo de amigos.
Chegados a Melres, começa a segunda parte do desafio, à volta da mesa, onde todos, em alegre cavaqueira, se deliciam com os pitéus que cada um apresenta, refazendo assim as energias gastas na caminhada. Para muitos representa o encontro anual de grandes amizades onde se põe a “escrita” em dia e se recordam as peripécias e tropelias do tempo de infância e juventude.
Mas como terá começado esta tradição que já vai na terceira geração?
Teremos que recuar à década de 1940 e ao casal Aníbal e Maria Idalina, residente no lugar da Igreja - Lagares, pais do autor desta crónica, ele natural de Lagares e ela natural do Porto, mas residente deste muito pequena em Melres, onde possuía uma casa e uma pequena quinta e muitas amizades. Desde muito cedo, após o casamento da filha, veio viver com este casal a única avó que conheci, Maria José, ficando a sua casa em Melres fechada e a Quinta da Vergadas a ser trabalhada pelos caseiros Snr. António Cruz e Snra. Rosa.
Entretanto foram nascendo os filhos do casal e na altura do verão a minha avó e muitas vezes também a minha mãe, iam passar algum tempo à sua casa de Melres, levando consigo a prole, desde os que já podiam caminhar até àqueles que ainda não andavam ou não aguentavam toda a caminhada.
Nessa altura os meios de transporte eram escassos (anos da e pós II Guerra Mundial) e a ligação por estrada entre Lagares e Melres era muito longa e quase intransitável nalguns pontos. Restava, pois, a solução de ir de Lagares a Melres pelo caminho calcorreado diariamente mineiros, mas que só poucas pessoas conheciam bem. Os inexperientes corriam o risco de se perderem na serra.
Era uma operação logística complexa:
Por bilhete postal ou aproveitando o vaivém dos mineiros os meus pais enviavam um recado aos caseiros pedindo o seu apoio para esta deslocação familiar. Pelo mesmo meio lá vinha a resposta.
Na data marcada os caseiros saíam de madrugada de Melres e, vindo pela serra, chegavam a Lagares de manhã cedo para que o calor não fosse demasiado durante a viagem para Melres. Traziam em cestos alguns mimos da Quinta das Vergadas. Depois de os caseiros “matarem o bicho” com um bom naco de broa e uma isca de bacalhau acompanhados por um copito, estávamos todos prontos para iniciar a ida para Melres há muito esperada pelos mais crescidos, em especial pelo fascínio de ir até ao areio ver o rio e nele molhar os pés. Os meus irmãos mais pequenos lá iniciavam a caminhada a pé, mas ao fim de pouco tempo tinham que ser transportados às “cavalitas” ou então dentro dos cestos que os caseiros tinham trazido…
O ponto culminante do esforço era a subida da Serra da Cabrias, mas chegados lá acima sentíamo-nos orgulhosos do feito e entusiasmados coma paisagem. Em frente às Minas das Banjas, já na descida para o Chão-que-tropia, havia uma gruta onde fazíamos uma paragem para descansar um pouco e comer uma pequena merenda. O resto da caminhada fazia-se sem grande esforço e a recompensa chegava quando do alto das fragas de Vilarinho se avistava pela primeira vez o Rio Douro, curvando vagarosamente no lugar de Santiago.
Os dias de férias em Melres tinham um sabor especial: o rio com o seu grande areal(ou areio, como lhe chamavam), o entrar no barco que fazia a travessia de Melres para a Lomba, a vista do rio da janelas da casa de Melres com os barcos rabelos e barcos rabões (usados para o transporte do carvão das minas do Pejão) de velas enfunadas aparecendo na curva de Santiago, as juntas de bois pisando o areio e “alando” esses mesmos barcos quando não havia vento e rio estava baixo, as pessoas amigas da nossa mãe e avó que nos mimavam, o brincar com os filhos dos caseiros…
Acabadas as férias tínhamos a viagem de regresso feita em moldes semelhantes mas menos custosa pois a Serra das Cabrias era a descer…
Não admira que tudo isto tenha ficado no nosso imaginário de crianças a “puxar” para aquelas recordações.
Tive a sorte de vir a usufruir o reviver de tudo isto ao casar com a tia Guida nascida e criada em Melres, mesmo à berinha do Douro.
Foi, porém, o Tio Zé que deu os primeiros passos naquilo que viria a transformar-se na tradição da Travessia da Serra, recordando as idas a Melres, pela serra, da nossa infância.
Na década de 1970 e, sobretudo, depois do falecimento dos nossos pais (1978), o tio Zé juntamente com o Padre José Coelho Barbosa, grande conhecedor de todos os lugares e caminhos desta zona, e, mais tarde, também com o Padre Leal começaram a fazer caminhadas, algumas das quais até Melres, pela Serra das Cabrias. As recordações da infância começaram a despertar interesse por este último circuito entre os irmãos e outros amigos tendo-se realizado vários vezes durante a década de 1980, aproveitando os dias de férias que o Padre Barbosa passava em Lagares quando o seu trabalho de missionário o permitia.
A partir do início da década de 1990 o número de participantes foi crescendo e passou a tradição a cumprir-se anualmente, chegando a ser de cerca de 40 pessoas o grupo que fazia a Travessia da Serra. A este grupo juntavam-se mais cerca de 20 pessoas que por razões diversas não podiam fazer a caminhada pela serra mas não dispensavam o convívio que se vivia durante a tarde em Melres.
A segunda geração (nossos filhos e sobrinhos - os Primos Online) alinhou nesta tradição e a terceira geração está também a começar a acompanhar a “ferrugem” dos seus tios-avós, nesta aventura.
Para a história fica o quadro com as datas em que se realizou a Travessia desde que o facto começou a ficar registado:
Ano | Data | Ano | Data | Ano | Data |
1993 | 12 Junho | 1998 | Não se fez | 2003 | 27 Setembro |
1994 | 01 Outubro | 1999 | 09 Outubro | 2004 | 18 Setembro |
1995 | 07 Outubro | 2000 | 16 Setembro | 2005 | 08 Outubro |
1996 | 05 Outubro | 2001 | 06 Outubro | 2006 | 23 Setembro |
1997 | 04 Outubro | 2002 | 05 Outubro | | |
O texto já vai longo e haveria ainda alguns episódios interessantes a relatar. mas vou deixar isso para que os que neles participaram o possam fazer como comentários a esta crónica.
Com o passar dos anos a geografia da serra e a sua paisagem foi-se modificando, pela pouca utilização das suas trilhas e pelos incêndios florestais que se iam sucedendo. Em cada travessia, era certo que em determinada altura do percurso surgia a dúvida sobre o caminho a seguir e, então, as mais diversas opiniões apareciam, nem sempre se chegando a um consenso, o que levava algumas vezes à fragmentação do grupo e às inevitáveis discussões e estratégias para a sua reunificação.
Para os primos mais novos “Kreidler”, certamente, não lhes diz muito, mas para os tios Fernando, Zé, Mário e até para as tias Zinha e Tátá, este nome lembrar-lhes-á a bicicleta motorizada que o Paizinho (avô Aníbal) comprou lá pelo início dos anos 50.
Nessa altura foi uma grande evolução nos meios de transporte da família, pois o único que existia era uma velha “pasteleira” (assim se chamava às bicicletas de pedal, mais pesadas, sem mudanças e com o guiador em forma de rabiça de arado). Diga-se de passagem, que o Paizinho, em solteiro, já tinha tido um cavalo e uma pequena moto que não chegamos a conhecer.
A velha bicicleta era usada pelo Paizinho para ir, uma ou duas vezes por semana, a Penafiel pagar aos fornecedores e trazer alguma mercadoria mais necessária para a loja.
Cada viagem representava cerca de
Como admiro, agora, a sua resistência física e a sua força de vontade ao relembrar a sua chegada de Penafiel, muito suado, a descansar um pouco, bebendo um refresco de água com umas gotas de aguardente adoçada com açúcar amarelo, ou comendo uma boa talhada de melancia!
Mas não era o Paizinho o único utilizador da bicicleta. Um pouco às escondidas, mas com consentimento tácito, os tios Fernando e Zé iam, primeiro, aprendendo e, depois, dando as suas voltas na dita. Eram frequentes as quedas que, normalmente, davam origem a avarias. Algumas vezes os “criminosos” conseguiam repará-las, outras eram motivo de grandes ralhadelas e consumições quando o Paizinho pegava na bicicleta para sair e ela não estava em condições: “porco sujo, estragaram-me outra vez a bicicleta”, era a expressão mais comum.
Mas voltemos à nossa história. Um dia, grande foi a nossa admiração e alegria ao ver chegar o Paizinho montado numa bicicleta motorizada, a Kreidler.
Era uma “máquina” de 50 cc, ainda com pedais para auxiliar nas subidas mais íngremes, com duas velocidades e era alemã…(nesse tempo os produtos alemães eram considerados sempre de melhor qualidade).
A partir daí as atenções da rapaziada da família voltaram-se para a Kreidler. Sempre que o Paizinho saía, lá estávamos nós de olhos bem atentos para ver como tudo funcionava. Lentamente a curiosidade foi dando lugar a algumas investidas, a começar por tirar a Kreidler do descanso e levá-la, à mão, até à estrada onde esperávamos a chegada do condutor. Uns tempos depois, uma vez na estrada, e como a dita tinha pedais, já o tio Fernando e o tio Zé davam uma pequena volta na estrada, em frente da loja, enquanto não chegava a hora da partida. Mas a tentação era muito grande de pôr a Kreidler a trabalhar. Até que um dia o tio Fernando combinou com o tio Zé: “Vamos dar a nossa volta do costume com os pedais e contigo a empurrar, também. Quando o Paizinho aparecer, tu dás um empurrão mais forte e eu solto o embraiagem…”.
Assim aconteceu numa bela manhã em que o Paizinho se preparava para sair para Penafiel. Quando ele chegou ao portão, íamos nós a passar na sua frente: então, o combinado empurrão mais forte actuou, a embraiagem foi solta e a Kreidler começou a trabalhar levando o tio Fernando, muito senhor do seu papel, a dar uma volta à igreja e voltar, parando em frente do Paizinho com a “máquina” a trabalhar. Recordo o cara do meu Pai, meio zangado, pela desobediência, e meio orgulhoso pela “habilidade” do filho. Desta vez nem ralhadela houve.
Porém esta ousadia teve um bom preço. A partir daí o tio Fernando passou a fazer “recados” com a Kreidler: Era ir buscar farinha a Casconha quando ela faltava na padaria, era ir a Cête pagar uma letra à Casa Facas, era ir dar um recado a um músico, à Capela, para que não faltasse na festa do domingo seguinte.
Não posso deixar de dizer que pagava todo este preço com grande prazer.
A Kreidler teve uma longa vida, recebeu um assento amovível para um segundo passageiro, onde as tias Zinha e Tátá andaram várias vezes.
Foi envelhecendo e acabou por ser destronada, já no fim da década, pelo aparecimento do novo meio de transporte da família, o automóvel Austin A70 (OS-13-97), comprado em segunda mão. Avariou sem conserto e ficou parada muito tempo, até que se aproveitaram as suas rodas para um carro de transporte manual de botijas de gás...
Que boa recordação eu tenho da Kreidler!
Tio Fernando
É engraçado que ás vezes, uma palavra que parecia ficar condenada ao esquecimento, pode fazer despoletar em nós anseios de escrever coisas belas.
Assim aconteceu, com as estrelas a que o Tio Mário se referiu, quando falou em sabonete lux.
Estas estrelas lavam-se como quiserem e com o produto que para si escolheram. E, por falar nisso aproveito para avisar que olhem bem para a composição dos vossos produtos de higiene e vejam se contêm uma substância química chamada Lauril Sulfato de Sódio. É muito usada nestes produtos, pela facilidade que tem em produzir grande quantidade de espuma. Cuidado amigos! Dizem que é cancerígeno!
Já me estou a desviar da minha estrela, afinal um simples sabonete quase me desvia da rota que me propus alcançar. Esse mundo fantástico das estrelas, aquelas que a minha vista consegue descortinar na noite e, cintilam, com a mesma magia, de uma imensidão de velas acesa por mão humana.
As estrelas conseguem levar-me a um estado de alma que me consola, quando por vezes um sentimento, geralmente de saudade, me faz doer bem no fundo da alma.
Debruço-me à janela do meu quarto (mais em Melres), olho o monte, o rio e o céu, e alguma estrela que me pareça mais especial. Através dela consigo abranger o infinito e, por momentos falar com aqueles que amo, mas não estão fisicamente junto de mim.
Começa então uma oração que me consola e me dá força. A beleza da paisagem que se apresenta diferente no mistério que envolve a noite, não dá medo, apazigua e envolve-nos também nesse mistério de Infinito que nos transcende e, ao mesmo tempo está tão perto de nós.
Sempre costumo a utilizar as estrelas para falar aos meus netos, de realidades que eles ainda não entendem.
Jamais esqueço a noite em que morreu o Albano, o filho da Adelaide e do Castro.
A Margarida estava connosco e apercebeu-se que alguma coisa triste se passava…falhei-lhe nas estrelas e disse-.lhe:
“Vês Margarida o Albano está naquela estrela!”
Era a primeira que aparece no céu, a Sirius.
Então a Margarida com uma batata frita na mão faz um gesto de oferta em direcção à estrela:
“Albano queres batatas fritas?
“ Olha Vó, estou a ver uma perna do Albano!”.
Ainda consegui fazer rir a Adelaide!
Benditas crianças e benditas estrelas que tão bem mostraram o caminho aos Reis do Oriente! Estrela que os havia de levar a uma criança que, não é mais nem menos que o dono de todas as estrelas.
Tia Guida
Ofereço à Rita este post, neste dia do seu aniversário, com um beijo muito amigo. Continuo a pedir para ela uma Estrela especial a iluminar o seu caminho. Parabéns!
Europa dos 25
Não, não é aquilo em que, porventura, está a pensar…
No tempo da nossa mocidade, em Lagares, entre as festas populares que lá se realizavam, sobressaía a festa da Senhora da Lapa, no dia 8 de Setembro, qualquer que fosse o dia da semana. Dia feriado na aldeia. Era esperada com grande ansiedade, mas ao mesmo tempo com alguma tristeza pelos criados e jornaleiros dos lavradores, pois nesse dia terminava o direito ao descanso da sesta.
Mais tarde, por razões de disponibilidade das “pessoas que trabalhavam no Porto” esta festa passou a celebrar-se no dia 8 de Setembro ou no domingo seguinte, caso esse dia fosse um dia de semana.
Para a rapaziada da minha idade, a coisa que mais nos impressionava era a preparação e o acendimento dos morteiros (tubos grossos de ferro, tapados numa das extremidades, cheios com pólvora, comprimida com “pedra do monte” a golpes de marreta), que explodiam no adro da Capela da Lapa durante toda a semana anterior à festa, ao meio-dia e ao fim da tarde, para anunciar as grandes festividades.
Mas havia ainda outro acontecimento que nos deixava maravilhados! O lançamento dos foguetes no dia da festa. Havia especialmente três momentos em que a grande perícia do fogueteiro, Senhor Jusberto, encarrapitado no beiral duma das capelas dos “passos” do Senhor, era posta à prova e mais apreciada: Na Missa, durante a Consagração, no final da Procissão e à noite, na sessão de fogo de artifício (foguetes de lágrimas, como lhe chamavam na aldeia).
Com todos estes estímulos não era de admirar que eu e os meus irmãos, nos dias seguintes, quiséssemos fazer algo parecido.
Era tempo de férias, a imaginação era posta a funcionar e, as brincadeiras de foguetes e morteiros aconteciam …
Em nossa casa havia vários gatos que andavam livremente pela casa e pelos campos anexos, com a especial protecção da Mamã que sempre gostou muito de animais. Por acaso, o Zeca (Tio Zé) descobriu que ao atirar um desses gatos ao chão, qualquer que fosse a forma usada, ele caía sempre com as patas para baixo. Resolveu então atirá-lo do pátio da cozinha que ficava a cerca de
Para grande espanto nosso, não só o gato chegava ao chão e ficava sempre de pé, como durante a descida, bufava valentemente, o que imitava um foguete a subir. Estava descoberto o foguete reutilizável!
Vai daí, a sessão “pirotécnica” repetia-se várias vezes com grande algazarra nossa, pois, o bicho ao cair daquela altura, meio atordoado, ficava de pé mas não fugia logo, o que dava tempo para o Marito (Tio Mário) o agarrar de novo e levá-lo ao fogueteiro que “na maior” lançava mais um foguete.
A sessão continuaria até que “o gato deixasse de bufar de vez” se não fosse o aparecer a Mamã que, com um grande raspanete, pôs fim àquela “tortura”. Pegando no bicho levou ao colo para longe daqueles “mafarricos”.
Mas o encantamento da festa continuava! E é então que o Nando ( Eu, Tio Fernando) toca a por as suas engenhocas a funcionar.
Devia ser possível fazer morteiros caseiros?! Na loja do Paizinho (Avô Aníbal) e onde também trabalhava o Padrinho, assim chamado por todos nós, (Tio-Avô Abel), vendia-se um pouco de tudo. Nessa altura não havia energia eléctrica na aldeia e a iluminação era feita ou com candeeiros de petróleo ou com gasómetros que trabalhavam a acetileno (obtido pela reacção química do carboneto de cálcio com água).
O Nando vai à loja, ao latão onde se guardava o carboneto, surripia uma pequena pedra do mesmo, procura uma lata de tinta vazia, mete a pedra lá dentro, deita-lhe umas gotas de água e fecha a lata com a tampa bem apertada com um martelo. Coloca a lata no chão, no meio do campo, ficando a observar a alguma distância.
Oh! Maravilha das maravilhas! Passados uns instantes, um grande estrondo se ouviu e a tampa da lata foi pelos ares atingindo grande altura. Todo ufano pela descoberta, fui contar ao Zeca e ao Marito que, imediatamente, quiseram ver o “morteiro da Senhora da Lapa”, como eu lhe chamei.
Mais uma ida, às escondidas, ao latão do carboneto e novo rebentamento se ouviu, com grande admiração dos meus irmãos que tapavam os ouvidos com as mãos, mas prontos a procurarem a tampa da lata para que se repetisse tão fascinante acontecimento.
Porém, o “tiro” tinha sido tão estrondoso que foi ouvido pelo Paizinho dentro da loja. Veio ver o que se passava e descobriu o que andavam a fazer aqueles diabretes. Uma valente “ralhadela”, confiscação dos objectos do “crime” e, claro, a explicação do perigo que estávamos a correr. E, para que novas ideias não fossem postas em prática imediatamente, o Nando, nesse dia, foi mandado para a loja pesar arroz e açúcar em sacos de quilo.
Assim decorriam aqueles dias felizes das nossas férias…
Espero que neste momento já tenha conseguido entender o título desta crónica.
Tudo começou por ser um breve comentário à crónica “Desafio de vida”, mas acabou por desaguar nesta carta aberta, amálgama de ideias e sentimentos.
Obrigado, Luís, pelo seu testemunho. Sobretudo pela transparência e convicção das suas palavras.Se o seu testemunho fosse de sentido contrário, de igual modo eu lhe diria obrigado. Em que ficamos, então?!
Casais divorciados ou famílias unidas?!
Crentes, agnósticos ou ateus?!
É irrelevante.
Deus - que nunca ninguém viu (1) – não se vai importar com o número de casais divorciados ou de outras tantas famílias unidas, mas vai com certeza deixar cair uma lágrima pela incapacidade de uns e outros se amarem.
Crentes, agnósticos ou ateus - prisioneiros da nossa condição humana - Deus não vai querer saber dos nossos rituais ou lutas para nada, mas sim da convicção com que assumimos o nosso próprio caminho.
E daí o respeito e a admiração pelo seu testemunho.
Gostava ainda de lhe dizer, à laia de desabafo, que cada vez mais tenho a impressão de ir descobrindo Deus onde exactamente Ele não está. Ora aí está uma boa definição daquilo que eu sou. Desatinado. Mas, em todas as famílias há os certos, os certinhos e os desatinados...
Mudando de partitura. Apreciei a simplicidade com que descreve a descoberta de que um instrumento, aparentemente arredio dos rituais litúrgicos – o que não é verdade – nos pode afinal conduzir a momentos de grande interioridade.
Mais uma vez as coisas estão onde parecem não estar. Os compositores, sobretudo os do período barroco sabiam-no bem, para já não falar do seu uso nas cerimónias bíblicas no Templo de Jerusalém, ao lado do shofar .
Para que não me acusem de falsa erudição sobre assuntos bíblicos que não domino, da existência do shofar sabia eu há muito tempo. Já, quanto à utilização do trompete nessa época, talvez eu não esteja “a mentir bem”.
Sem a aventura em que o João e a Celsa se meteram, eu não estaria para aqui a perorar. Para eles o meu abraço com o desejo que o seu amor “não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, como dizia Vinicio de Morais. E que dure sempre, acrescento eu.
Tio Mário
(1) Porque não quero afrontar gratuitamente a fé de ninguém, junto sustentação para este aparte:
· Se alguém diz: eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a quem não viu. (I João 4:20)
· Com efeito, ninguém jamais viu a Deus tal como Ele é em Si mesmo (Carta Encíclica Deus Caritas Est do Sumo Pontífice Bento XVI, parte 17)
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