Sábado, 3 de Março de 2007

Mergulhando nas raízes

O “Menino do cesto” tem pedido por várias vezes para falar das Tias de Melres que marcaram realmente a sua vida como a de tantos outros que com elas tiveram a alegria de partilhar do seu dia a dia em ambiente cem por cento familiar.

Para aqueles que não as conheceram é necessário fazer um pouco de história.

As minhas tias (Alice, Virgínia e Lídia), eram conhecidas pelas “Meninas Ferreirinhas”, nome que surgiu pelo facto de seu pai ter nascido no lugar de Ferreirinha, freguesia da Foz do Sousa - Gondomar, e de lá ter vindo para Melres.

A sua casa ainda lá está, tal como era no tempo do meu avô. É bom ir às raízes e descobrir o que nelas se encontra, como em árvore de grande porte! É bom ir às raízes e penetrar na seiva que dá vida a esta árvore frondosa donde brotamos, como rebentos, em primaveras diversas. É salutar este mergulho, como quem vai ao fundo do mar em busca de tesouros escondidos.

Habitavam as três irmãs a Casa de Penacidra, no lugar da Boavista em Melres, onde nasceram e permaneceram, porque, sendo três, nenhuma delas se casou. Não porque fossem diferentes das outras raparigas do seu tempo, mas “há razões que a razão não conhece”…

                   

A Tia Gina (Virgínia) sempre se dedicou ao ensino e, um dia, apaixonada pelo carisma do Pai Américo, deixa tudo e vai fazer-se mãe de tantos que ajudou a crescer. Ali era verdadeira mãe: se estavam doentes, ela velava a sua cabeceira; aos pequeninos acordava de noite para que não molhassem a cama; e aos menos estudiosos lá andava com os seus livros às voltas. Vinha muitas vezes a Melres e trazia com ela um sorriso que jamais esquecerei que escondia o segredo da verdadeira felicidade. Em Melres, ensinou muita gente, formou Grupos Corais, ajudou os pobres e por seu intermédio se construíram casas do Património dos Pobres nesta freguesia.

A Tia Alice muito cedo veio viver para o Porto, para casa dos padrinhos, Senhor Brito e D. Rosinha, na Travessa do Campo 24 de Agosto, n.º 77. A sua doação à madrinha, durante a doença que se prolongou por muito tempo, foi motivo de grande admiração. O seu sorriso, a sua ternura, a sua meiguice encantaram a minha infância, pois desde os meus três anos de idade passava temporadas com ela. Todas as pessoas de Melres que tinham problemas vinham bater à sua porta.

A Tia Lídia foi sempre a mais ligada à casa mãe, a Casa de Penacidra, e mais virada para a administração das propriedades que pertenciam às três. A sua amizade pela irmã Alice foi sempre muito grande o que foi bem demonstrado pela maneira como a tratou durante os longos anos da sua doença, como se de um “bebé” se tratasse. Sempre dizia a Tia Lídia: “Ela sacrificou-se a tratar da madrinha, também há-de ter quem trate dela”. E assim aconteceu! E com que desvelo e dedicação o fez! Foi para nós um exemplo do que é a verdadeira amizade: “Aquele que ama é o que dá a vida pelos amigos”.

A Casa de Penacidra foi sempre um local de acolhimento. Ainda hoje, já lá vão tantos anos, muitas pessoas nos vêem dizer que se recordam de ter aprendido a costurar e a bordar em casa das “Ferreirinhas” e que lá também se iniciaram na arte da música. E, sempre que havia os célebres leilões em favor da Igreja de Melres ou qualquer outro evento mais significativo, as “Ferreirinhas” aí estavam presentes para animar, colaborar, liderar. É com orgulho que os seus sobrinhos dizem: “eu sou Ferreirinha”!

Naquela casa rezava-se, amava-se, brincava-se, mas o respeito pelos outros era ponto de honra.

Gostava muito de viver nesta casa porque a alegria era uma constante e as histórias de bruxas e de aparição de extra-terrestres não tinham lá guarida. Isto marcou a minha vida para sempre.

E agora que falei um pouco das minhas queridas três tias, vou falar-vos da ligação que havia entre Melres e Lagares.

A avó Idalina, antes de casar, morava numa casa que o Tio Fernando já referiu numa das suas crónicas. Ao lado morava a D. Rosa, professora em Melres, casada com o Senhor Cardoso, também ele lá professor, com dois filhos, o Senhor Cardoso (filho) e a D. Fernanda Cardoso, que vieram a ser igualmente professores, sendo esta última a madrinha do Tio Fernando, ainda viva.

    

O quintal da casa da D. Rosa fazia extrema com os campos da Casa de Penacidra, daí o ter-se criado uma passagem entre as duas propriedades pois a família Cardoso tinha grande amizade com as “Ferreirinhas”.

Assim se formou uma grande amizade, especialmente entre as jovens Idalina, Fernanda Cardoso, Lídia, Alice e Virgínia que várias fotografias demonstram a alegria dos seus folguedos.           

Há até uma foto da Mamã (D. Idalina - Avó Idalina) coma a Tia Alice vestidas de noivos. Foi uma amizade muito bem cimentada, uma amizade da idade dos sonhos e do alvorecer dos amores que confidenciavam entre si. A Mamã casou e foi viver para Lagares, mas a amizade permaneceu como corrente forte que o tempo não desgasta. Há correspondência desde os primeiros tempos de separação que provam isso mesmo.

E, agora, começa a perceber-se o porquê das vindas a Melres pela serra com os filhos pequenos e a nossa estadia conjunta na Foz, na Travessa da Senhora da Luz, com as tias Ferreirinhas e a Mamã.

Nessa altura iam para a “praia” a Vóvó (bisavó Maria José), a Mamã, a Tia Lídia, Tia a Alice, o Nando (Tio Fernando), a Zinha (Tia Zinha), o Zeca (Tio Zé), a Guidita (eu própria) e o Zé Henrique (meu irmão -Tio Rique), os mais velhos. 

Destes tempos, muitas histórias há que quem quiser poderá contar, a seguir. Pouco me lembro desse tempo a não ser do meu irmão a subir a íngreme calçada da Travessa da Senhora da Luz e vir ter com ele uma miúda que lhe deu um safanão. Quem conhece a calma e a bondade dele, certamente achará graça à sua resposta: “Quando fores à minha terra eu digo-te como é!” Claro que não me posso esquecer dos banhos de mar forçados, quando o banheiro nos tomava nos braços e esperava que a onda subisse para nos “enfiar” dentro dela…

E também lembro com muita nitidez a figura do meu avô, pai das minhas tias e do meu pai, que passava algum tempo connosco na Foz. Dele algo me ficou muito marcado quando me dizia que o “eléctrico” parava quando ele mandasse.

Vim a descobrir muito mais tarde que o “eléctrico” realmente parava na paragem…

Esta cena deu origem a um poema que escrevi e ficou no Cancioneiro Infanto-Juvenil da Língua Portuguesa editado pelo Instituto Piaget.

O tempo foi passando “como um ai que mal soa / como sombra que passa / como nuvem que voa” e os meninos cresceram e tiveram que ir estudar para o Porto.

Foi nessa altura que a casa da Tia Alice na Travessa do Campo 24 de Agosto, 77 se transformou num lar de estudantes por onde passaram muitos de nós “aturados” pela Tia Alice, Tia Lídia e uma empregada. Aqui as minhas tias eram mães a tempo inteiro dos que por lá foram passando e que elas a todos queriam do fundo do coração. Fizeram, sucessivamente, parte desta “quase república” o Tio Fernando, a Tia Zinha, o Tio Zé, o Henrique Maria, o Zé Henrique, eu própria, o Tio Mário, a Tininha, a Tia Natália (Tátá) e, depois, outros mais novos. Apesar de uns serem sobrinhos e outros serem filhos de uma amiga (a Lininha - Avó Idalina) em nada eram estes diferenciados. Falavam deles com grande orgulho tendo as suas fotografias em lugar de honra em cima da cómoda do seu quarto. Posso testemunhar o quanto elas a todos amavam.

Agora é a vossa vez de contar as muitas histórias deste tempo passado no “77”, como nós chamávamos a esta “comunidade”. Pela minha parte, até posso referir uma história de amor que terminou em casamento e, por Graça de Deus, perdura até hoje. Recordo também as festas e os bailes que se organizavam com a total colaboração da Tias Ferreirinhas que se sentiam muito felizes por terem a gente jovem junto de si divertindo-se com todo o respeito.

Sem dúvida que esta convivência no “77” estreitou mais os laços que já uniam Melres a Lagares.

Mesmo antes desta convivência no Campo 24 de Agosto, já, na altura das férias, o Tio Fernando, o Tio Zé, o Tio Mário e até o Padre José Barbosa, passavam alguns dias em Penacidra a convite das minhas tias. Eram tempos de sã camaradagem em que participavam também a gente mais jovem da família Lopes (Maria Helena, Zézinha e Arturinho) que viviam no Porto, mas que todos os anos vinham passar uns tempos de férias a Penacidra, pois uma grande amizade ligava esta família às Ferreirinhas.

Estes são apenas alguns exemplos do espírito alegre, jovem e de grande doação das Ferreirinhas…

 

Tia Guida   

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publicado por Primos Online às 22:38
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10 comentários:
De Miguel a 5 de Março de 2007 às 11:10
Os Primos Online voltaram em grande.
Muitos parabéns aos autores pelo excelente trabalho.
Miguel
(Zé Mi)


De Anónimo a 5 de Março de 2007 às 15:09
Uma história bela e comovente!
Quanto devemos a estas "três mulheres"!...
Agradeço aos autores o terem organizado esta revisita a estes tempos e lugares.
Quando os afazeres me permitirem, juntarei uma pequena pedra ao edifício.
Tio Zé


De Tio Mário a 6 de Março de 2007 às 20:55
Histórias doces de sonhos e afectos que moldaram profundamente as nossas vidas, Melres dos meus encantos!


De Nuno a 8 de Março de 2007 às 10:54
Mais um excelente relato que serve para os mais novos aprenderem alguns pontos sobre a história e também para aprender como os traços de carácter se formam desde criança e em que medida esses traços constituem o cimento que constrói uma familia. Certas coisas simples valem mais que mil diamantes. Há coisas fantásticas, não há?
Obrigado.
Nuno


De Alberto Sérgio a 30 de Março de 2007 às 10:42
Precioso...

Quando se lê crónias deste calibre fica-se com a sensação que, "antes" o tempo era mais preenchido e a vida mais "enriquecedora"...

Agora podemos ser mais "produtivos"!!! Mas quais serão as recordações que teremos para deixar a Filhos e Netos???

Aos meus queridos "sogros" e familia conexa um obrigado do 'General' (tio Mário dixit) por poder partilhar os momentos passados e aqueles futuros, que sejam base para muitas recordações...

E agora umas à Sérgio:
- Pena foi, naquela altura, não terem pensado comprar qualquer coisa na Foz...
- Biba o FCP!!!


De Paula a 7 de Abril de 2007 às 00:45
Adorei a viagem que este texto e imagens me proporcionoram - parabéns, pai e mãe!!!

Fui bafejada pela sorte e testemunhei todos estes afectos e dedicação inesgotáveis das tias Ferreirinhas...bons tempos!!!

Fico à espera das próximas crónicas...há histórias dignas de registo, no que ao "77" diz respeito!

Bjs para todos!

Paula


De Manuel António a 9 de Abril de 2007 às 11:43
Parabéns pela iniciativa de divulgação e lembrança da vida de suas tias de Melres. Como gaiato, em Paço de Sousa, na longinqua década de 60, apenas conheci a Virginia, que agora adorei recordar. O seu carinho e a sua dedicação a todos nós, então pequenos garotos deserdados, merece ser recordada assim como a sua contagiante alegria que foi um exemplo que ficou em muitos de nós.

Espero que o seu exemplo venha a ser seguido por outras mulheres de coração grande e os hoje pequenos gaiatos possam ser amados para, quando já "cotas" como eu, possam ter ternas recordações e referência de vida muito positivas.

Parabéns, pois! Espero que D. Virginia seja uma referência para as mulheres de hoje!


De Margarida Martins Alves a 4 de Junho de 2007 às 20:27
Caro amigo

Deixe-me ter a ousadia de tratá-lo deste modo, depois do que me disse à cerca da minha Tia Gina! Nem sabe a satisfação que foi para todos nós a sua entrada no nosso blog. Nunca nos tinha respondido ninguém fora do contesto familiar.
Que bom amigo! Concerteza algum dia nos encontrámos por Paço de Sousa ou por Beire, aqui, estive uns meses com a Tia Gina.
Estou a rezar por dois irmãos de Penafiel que sofrem de cancro, um deles em estado crítico. gostava tanto que a nossa oração fosse cheia de fé e de esperança para que o Senhor Deus por intercessão do nosso Pai Américo realizasse a cura dos dois e ele fosse beatificado. Que momento grande para a nossa fé tão pequenina e que grande alegria para os Padres do Gaiato que deram a sua vida totalmente a esta causa e muito gostavam de o ver beatificado. Eles acreditam que ele é santo, mas falta o milagre confirmado pela ciência que a Igreja exige! A Obra do Gaiato tem sido vítima de grandes injustiças e até calúnias, mas isso mostra-nos que a Obra é de Deus e como tal não vai acabar. Depois do sofrimento e da cruz vem sempre a alegria da Ressurreição. Esperemos no Senhor que tem a Sua hora....
Ainda bem que o Manuel António contactou connosco. Apareça mais vezes pois também faz parte da família. A entrega da Tia Gina ao Gaiato levou-nos a amar esta grande obra e também os rapazes que lá foram amados.
Desculpe demorar tanto tempo a responder-lhe. Não vou dar mil desculpas porque toca a falso, vou simplesmente pedir perdão por ser tão preguiçosa.
Um abraço e fica convidado para ir a Melres , porque tivemos a dita de poder usufruir da casa das nossas tias e a sua presença está ainda muito viva, apesar de se terem ausentado já há alguns anos para a casa do Pai.
Um forte abraço e sinta a sinceridade da nossa amizade

Margarida Guidita para a Tia Gina)


De Henrique Luis a 12 de Setembro de 2014 às 03:53
Por lapso, nao registei no comentário os elementos que me identificam,para eventual resposta.Com as devidas desculpas.
Henrique Luis
hetelu@hotmail.com


De Anónimo a 12 de Setembro de 2014 às 03:48
D.Margarida ou Guidinha do talho como a conhecia: Muito obrigado pelo texto publicado.Mui obrigado pela viagem que^o mesmo me permitiu ao meu passado de criança e jovem.Da ida para a Casa do Gaiato onde estive com a sua tia Virginia.Da maneira tão amiga como fui sempre tratado pelas suas tias,pelos seus pais e irmãos.AS suas tias receberam-me tão bem na Trav.do Campo 24 de Agosto quando vim fazer exame ao Liceu Alexandre Herculano, nesta cidade onde vivo há muitos anos.Obrigado pela história da Casa de Penacidra,cujo muro coberto de rosas brancas eu colhi algumas e desfolhei.Estive há já alguns anos junto da casa da travessa do Campo 24 de Agosto e já estava tudo caído por terra.Muito obrigado pelas fotos que colocou e que me permitiram recordar a sua tia Lídia pessoa de quem eu gostava muito pela maneira como me tratava.Tinha sempre uma palavra para mim quando eu passava debaixo da janela subindo ou descendo a calçada.Muito obrigado ainda pelo seu pai me receber aos domingos ao fim da tarde no estabelecimento e deixar ver na tv o programa infantil como "os contos da tia Zefa " e " O gato Félix" E não posso esquecer a sua mãe e as suas ajudas ao sábado de manhã no talho,nesses tempos bem complicados mas que eu vivi sempre com muita alegria. Com consideração e estima
Henrique Luis


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